“Anticoagulação na prevenção da doença cardiovascular”, a opinião do Prof. Doutor Pedro Monteiro

Prof. Doutor Pedro Monteiro
21/04/22
“Anticoagulação na prevenção da doença cardiovascular”, a opinião do Prof. Doutor Pedro Monteiro

Leia a opinião do Prof. Doutor Pedro Monteiro, cardiologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), sobre o tema "Anticoagulação na prevenção da doença cardiovascular".

A fibrilhação auricular (FA) é a arritmia cardíaca mais comum, traduzindo-se por um batimento cardíaco irregular, que frequentemente provoca mal-estar e palpitações; porém, muitas vezes os doentes com FA são assintomáticos, o que pode atrasar o diagnóstico. Em Portugal, estima-se que um em cada 40 adultos sofra de FA, sendo que a probabilidade de se apresentar FA aumenta com a idade, atingindo um em cada 11 pessoas com mais de 65 anos. Na FA, as duas câmaras superiores do coração (aurículas) não contraem corretamente para bombear o sangue para as câmaras inferiores, os ventrículos. Como resultado, o sangue pode ficar estagnado na aurícula e formar um coágulo. Estes coágulos podem soltar-se, sair do coração através da corrente sanguínea e deslocarem-se para o cérebro, bloqueando o fluxo de sangue e causando um acidente vascular cerebral (AVC), ou podem deslocar-se para outras partes do corpo, causando um embolismo sistémico.

A FA é mais comum em pessoas com hipertensão arterial, doenças cardíacas, excesso de peso, diabetes, colesterol elevado e em fumadores. Evitar estes fatores de risco parece ser a melhor forma de prevenir a FA, a qual pode ser detetada pela palpação de um pulso irregular ou, em casos suspeitos, pela realização de exames simples como o ECG ou, se a arritmia condicionada pela FA for intermitente, através de um registo electrocardiográfico mais prolongado (também denominado Holter de 24 horas).

O AVC continua a ser a principal causa de morte em Portugal e os doentes com FA apresentam um risco três a cinco vezes superior de desenvolver um AVC isquémico, sendo que 14% dos doentes com FA já tiveram um AVC. Nestes doentes, o AVC apresenta uma maior gravidade, estando associado a um aumento de 79% na mortalidade.

Neste contexto, a forma mais eficaz de reduzir o risco de AVC isquémico, em doentes com FA, é através de medicamentos anticoagulantes orais, os quais impedem a formação dos coágulos no sistema sanguíneo e, desta forma, também o AVC. Nos doentes com alto risco hemorrágico que não podem fazer anticoagulação oral, a alternativa passa por encerrar a zona do coração que habitualmente produz os coágulos nos doentes com FA, o apêndice auricular esquerdo.

Em resultado das inovações na prevenção do AVC no contexto da FA, tem-se assistido nos últimos anos a um aumento do uso de anticoagulação oral nestes doentes, com uma relevante descida (cerca de 40%) do número anual de AVCs em Portugal.
Perante um novo diagnóstico de FA, importa avaliar o risco isquémico e hemorrágico, sendo que a maioria dos doentes terá um score Chads-vasc superior a um, devendo então ser anticoagulado. As recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia recomendam o uso dos novos anticoagulantes orais (NOAC) para a maioria destes doentes. Em caso de função renal severamente comprometida (Clearance de creatinina inferior a 15 mal/min), prótese valvular mecânica ou doença mitral reumática, a escolha deve ser um antivitamínico K.

Em doentes a fazer NOAC importa fazer um controlo periódico da função renal, garantindo sempre que o doente está a fazer a dose correta do NOAC. O doente deve ser informado da importância da toma diária correta do NOAC e da importância de reportar pequenas hemorragias sem interromper a medicação, que só deverá ser interrompida em caso de hemorragias major ou realização de procedimentos de alto risco hemorrágico, devendo ser prontamente retomada logo que a hemostase o permita.

Os NOAC vieram revolucionar a prevenção do AVC em portadores de FA. No entanto, ainda se assiste a atrasos de diagnóstico de FA, atrasos na anticoagulação, uso de posologias incorretas de NOAC e interrupções desnecessárias ou desajustadas destas terapêuticas.
Importa otimizar o uso de NOAC no contexto da FA, pois só desta forma poderemos registar novas vitórias na luta contra o AVC em Portugal, promovendo nos próximos anos uma continuada redução das mortes e incapacidades por AVC, fruto de uma aposta renovada no controlo dos fatores de risco, no diagnóstico mais precoce da FA e no uso mais aperfeiçoado e generalizado dos novos fármacos anticoagulantes orais.

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